Jornalistas mineiros diversificam atividades com redação de livros

“Escreva, minha filha, escreva. Quando estiver entediada, nostálgica, desocupada, neutra, escreva. Escreva mesmo bobagens, palavras soltas, experimente fazer versos, artigos, pensamentos soltos, descreva como exercício o degrau da escada de seu edifício (saiu em verso sem querer), escreva sempre, mesmo para não publicar e principalmente para não publicar…”, A carta de Carlos Drummond de Andrade para a filha Maria Julieta não poderia estar mais atual como estímulo para quem quer se tornar um escritor, como já ocorre com diversos jornalistas. A cada dia, assim como Drummond, cresce o número de jornalistas no mercado literário.

                A verdade é que a maioria desses autores jornalistas não tem a pretensão de figurar entre os maiores escritores brasileiros, como Drummond. O presidente da Academia Mineira de Letras Rogério Faria Tavares avalia que o setor é muito promissor e apresenta muitas oportunidades de carreira como escritor.  Ele explica que os jornalistas sempre foram escritores, ou seja, a base do ofício está na produção textual. Os jornalistas precisam escrever muito  e, sempre foram escritores, assim como, por outro lado, muitos escritores, como Drummond, foram jornalistas para ganhar a vida, contudo, a vocação primordial era a literatura.

“O jornalismo e a literatura são irmãos. Duas faces da mesma moeda. Os jornalistas sempre escreveram muito e vários publicaram livros, prática que ainda permanece. O mercado literário é um ótimo segmento para jornalistas, uma vez que, em geral, muitos desses profissionais já são populares e com nomes bastante difundidos na sociedade, sobretudo, aqueles que trabalham em televisão e rádio”, observa Tavares.

O jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Américo Antunes, 66 anos, já escreveu quatro livros, sendo dois de ficção, os romances históricos “Nós, que amamos a revolução” e “Terra prometida – um herege nas minas de ouro” e dois de não ficção, “Do diamante ao aço – o ilustrado Intendente Câmara e a verdadeira História da primeira fábrica de ferro do Brasil” e “1720/2020 – livro-reportagem das comemorações do tricentenário de Minas Gerais”. Também atuou como organizador, editor e foi um dos redatores dos livros “Expedição Halfeld”, “Jequitinhonha, a riqueza de um vale”, “João Antunes Vozes e Visões” e “Os Governadores – História de Minas Gerais”.           

Rogério Tavares pontua o mercado de trabalho dos jornalistas.

Antunes começou a escrever jovem, em Diamantina, arriscando alguns poemas e poesias, como gosta de contar, mais, na tentativa de capturar as turbulências das inquietudes existenciais que varriam sua alma, do que quaisquer outras pretensões literárias. Posteriormente, já morando em BH, a opção pelo curso de Comunicação seria uma espécie de continuidade desse desejo,  em jornalismo e, da reportagem para os livros foi, então, “um pulo”.  

A imagem acima representa o livro “ Nós que amamos a revolução” de Américo Antunes.

A imagem acima representa o livro “Terra Prometida” de Américo Antunes.

                O jornalista Bruno Marques, 44 anos, lançou seu segundo livro ”Outono Austral”, pela editora Páginas, em 2022. Ele começou a escrever poesias aos 13 anos, se formou em jornalismo aos 25 anos e, acredita que estava pronto como escritor, aos 40 anos, com o lançamento de sua primeira obra “As noites mais escuras do inverno”, também pela mesma editora. “A população vive um momento de grande individualização e de perda da humanidade. Antagonicamente, foi pela cultura que as pessoas se tornaram mais humanas e, somente a partir dela, resgata-se a humanidade”, observa.

Bruno Marques mostra na imagem acima o lançamento da sua 1ª obra:
 “As noites mais escutas do inverno”.
Lançamento da segunda obra de Bruno Marques: Outono Austral.

A jornalista Hila Rodrigues, 56 anos, atualmente professora do curso de jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), também começou a escrever na juventude, como um passatempo e, acredita que o mundo fica mais bonito com os livros. Ela já escreveu dois livros, sendo o primeiro o “3 em contos”, uma produção independente com dois amigos, também jornalistas: Laudeir Borges e Sidneia Simões. A obra apresenta contos sobre festas de fim de ano, lançada em dezembro de 2021. O segundo livro,  “Desassossego ilustrado”, é  um híbrido de textos curtos e poesia, ilustrado por Sofia Fuscaldi, também jornalista e ilustradora, cujo tema foi inspirado nos desafios enfrentados pelo mundo e, principalmente, no  Brasil, entre 2018 e 2021. O período é marcado pela crise sanitária, pensando em Covid-19, mas, também, por uma grave crise política, com reflexos econômicos e ambientais.  

O primeiro livro de Hila Rodrigues: “3 em contos”
Segundo livro da autora: Hila Rodrigues

Carlos Drummond de Andrade influenciou muitos jornalistas, assim como Cecília Meireles também inspirou Jalmelice Luz, 63 anos, que já escreveu dois romances – Noites Pretas e Sombra das ruas e, dois livros infanto-juvenis – Peixe-amigo-pássaro e Isadora e o planeta no nariz, pela editora Páginas e Ruídos, pela editora Autografia, lançado na Bienal do Rio, em 2021. 

Jalmelice destaca que também já publicou um livro de contos e textos sobre a vida das mulheres brasileira, a partir do conceito de gêneros, etnias, da perversidade do racismo e injustiça social.

Romance escrito por Jalmelice Luz chamado “Noites Pretas”
Romance escrito por Jalmelice Luz chamado “Sombras das ruas”

A jornalista Ana Paula Pedrosa, 44 anos, conta que não saberia viver sem escrever e que começou depois da maternidade.  “Eu revisitei a minha própria infância. Trouxe histórias do fundo da memória e ainda conto com a ajuda das minhas duas filhas que dão palpites, sugerem mudanças e até `batizam` os personagens. Eu comecei inventando estórias para Beatriz e Helena e, depois contando, para as amigas delas, até que viraram livros. Mas, também escrevo crônicas e outros tipos de textos sobre diversos assuntos e linhas, sem muito sentido, que, podem até, ser deletadas, em pouco tempo”, destaca ela, que, atualmente, trabalha como produtora de rede na Record Minas.

Ana Paula conta como começou no mundo da literatura, com os seguintes livros:
 “O gênio preguiçoso”, “A terra de todas as idades”.

FORMAÇÃO EM JORNALISMO CONTRIBUI PARA SURGIMENTO DE NOVOS AUTORES NAS REDAÇÕES DOS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO

Os jornalistas escritores mineiros, entrevistados para essa matéria, foram unânimes em afirmar que a formação em jornalismo e os anos de experiência como profissional nas redações se tornaram diferenciais importantes na construção da carreira como autor.  O diretor da Strategia Cultura e Comunicação e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Américo Antunes, por exemplo, destacou que aprendeu a pesquisa minuciosa, o rigor com as fontes, as técnicas de reportagem e a redação que guiam a produção literária dele na prática jornalística.  

O presidente da Academia Mineira de Letras Rogério Faria Tavares afirma que os jornalistas sempre tiveram a produção de textos como tarefa principal, de lidar com a língua, com a palavra, a frase e o parágrafo. A situação favorece muito para que esse profissional se torne escritor, porque treina, pratica e se repete. O cérebro aprende e desenvolve uma habilidade, estimulando o ingresso na literatura, sem dúvida nenhuma.

Rogério Tavares explica como funciona o corpo devido a prática repetida de tarefas.

A jornalista e escritora Jalmelice Luz costuma dizer que o exercício do jornalismo abriu caminhos para a escrita literária. Mesmo o texto jornalístico sendo conciso e com regras definidas, ela acredita que não exclui a criatividade.  A longa aprendizagem, juntamente com os colegas mais experientes, permitiu que aprimorasse sua atuação. “A escrita literária é livre. Abusa da imaginação, da criatividade e do texto romanceado. O tempo é um parceiro e não um adversário a ser superado no relato mais verossímil possível de um fato cotidiano”, analisa.

Já o jornalista Bruno Marques, conta que só se tornou um escritor, porque, primeiro, se “construiu” jornalista. Ele teve oportunidade de escrever sobre economia e política para o jornal Diário do Comércio, que considerou uma grande escola e, depois se lançou como correspondente de grandes jornais nacionais em Belo Horizonte, como O Estado de S. Paulo e O Globo, sendo possível escrever para todas as editorais, principalmente, cidades e gerais, em que a vida real acontece. “A experiência em redação permitiu me tornar íntimo do ofício de escrever. Acredito que o jornalista tem uma chancela da sociedade para ser uma testemunha dos fatos e narrar os acontecimentos. É preciso ter compromisso com o leitor. O bom jornalismo apresenta, principalmente, boas perguntas, que devem estar imersas e conectadas aos valores e ao contexto do público-alvo.  As notícias propiciam a reflexão para a sociedade estar sempre questionando. Não existe democracia sem jornalismo e nem sem Literatura”, avalia Bruno que também é mestre em literatura e direitos humanos.

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Bruno Marques explica a importância da política para o jornalismo.

O livro “Filho de pandemia” é o primeiro do chefe de redação de O Antagonista, Diego Amorim que, até então, imaginou que fosse escrever um livro pelo fato de ser jornalista. Contudo, ele acreditava que seria sobre a Igreja Católica, por ter uma relação muito forte, chegando, inclusive, a cobrir o conclave do Papa Francisco pelo jornal Correio Brasiliense. Posteriormente, também pensou em escrever sobre bastidores da política por conta do trabalho como repórter em Brasília. 

“Contudo, escrever um livro para o meu filho, diariamente, foi um grande desafio e também uma forma de criar intimidade com ele, superando aquele momento difícil da pandemia. Acredito que o fato de ser jornalista contribui com a linguagem e a escrita, pois tudo isso é muito natural pra mim, sendo parte da minha personalidade, de quem eu sou. Adoro ler e escrever. A minha vida é isso o tempo todo e, com certeza, o fato de ser jornalista contribuiu com o livro”, avalia. 

O jornalista, na opinião da produtora de tevê Ana Paula Pedrosa, vive de contar boas histórias, ou seja, buscar bons personagens e, por isso, a experiência ajuda muito na elaboração de livros. “Eu transportei para a ficção, mas, sempre com a preocupação de passar informações corretas. Por exemplo, no livro  ‘A Terra de Todas as Idades’, a protagonista é a Heloísa, uma menina à espera do seu aniversário de sete anos. Eu conversei com pediatras e com mães para saber as características dessa idade. As informações ajudaram a construir a personagem de uma forma mais real e correta”, conta.

JORNALISTAS INVESTEM EM OBRAS PRÓPRIAS COM FOCO EM SENTIMENTO E PARA ESTIMULAR CONHECIMENTO

                Os desejos e metas dos jornalistas mineiros que se tornaram escritores estão na ampliação do público leitor para suas obras, compartilhando o que passa pelo coração e mente ao escrever. O ranking de livros mais vendidos ou o reconhecimento como um dos melhores escritores brasileiros não são os objetivos desses profissionais, cuja escrita é a maior motivação, por si só, ou seja, como bons jornalistas que são, querem, sempre, contar uma boa história. 

A produtora de rede da tevê Record Minas, Ana Paula Pedrosa, afirma que não estabeleceu metas como escritora. Apenas, pretende continuar contando histórias. Ela não se importa com a forma, o público e o tipo de texto, mas sempre escrevendo histórias que farão sentido para si naquele momento de sua vida.

A jornalista e escritora Jalmelice Luz concorda com Ana Paula e conta que não tem metas para a carreira que abraçou. “Teimo em continuar. Não penso em um público específico. As histórias podem ser lidas por todos. Considero importantíssimo o estímulo à leitura como parte da formação do sujeito crítico, capaz de ler as realidades em que está inserido com espírito transformador”, observa.

Ana Paula conta que não tem um público específico.

O jornalista e também escritor Bruno Marques segue o mesmo caminho, destacando que também não definiu metas, porém, quer viver em um país que seja possível se sustentar, a partir da produção literária. Ele garante que pretende continuar escrevendo e chega a dar um spoiler sobre seu próximo livro: um romance ambientado em Portugal, talvez, na fortaleza de Berlengas.

Bruno Marques destaca outra preferência: a literatura.

O ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Américo Antunes, enfatiza que a grande meta dele como escritor é, essencialmente, ser lido.  A professora e escritora Hila Rodrigues concorda com Antunes e ressalta que foi a leitura que a estimulou a contar histórias e a dividir pensamentos, sensações, percepções, sonhos, essas coisas. “Não tenho metas. Quero escrever coisas que muitas pessoas possam curtir, saborear mesmo. Algo que enfeite a vida do sujeito”, ressalta.

A jornalista Ana Paula Pedrosa conta que ler e escrever sempre fizeram parte da vida dela para expressar todo tipo de sentimento e emoção, assim como se entender e entender o mundo. “Quando criança e adolescente, já participei de concursos de poesia no colégio. Profissionalmente, escrevo há 23 anos como jornalista e, na literatura, comecei em 2008. Outro aspecto que me dá bastante segurança é que minha irmã, Renata Pedrosa, ilustra meus livros. Ela é professora de artes e ilustradora e tenho liberdade para lhe apresentar os primeiros rascunhos de textos”, conta.

JORNALISTAS ESCRITORES AFIRMAM QUE ESCREVER REQUER MAIS DEDICAÇÃO QUE TALENTO OU INSPIRAÇÃO

As recomendações para quem quer iniciar a carreira como escritor são diversas e diferenciadas. A jornalista e escritora Jalmelice Luz, por exemplo, indica que a pessoa interessada deve ler, exercitar a escrita e não temer a publicação. Deve correr riscos. A escrita pode ser provocada por lembranças, vivências, observações e leituras. Deve-se sair do silêncio para criar sentido por meio da palavra escrita. Os erros e acertos fazem parte do aprimoramento de qualquer escritor.

“A verdade é que, na escrita literária, nada está pronto e acabado, pois, o ponto final é simbólico. Não sei se é dom. Entendo como um lenitivo para as dores do mundo que repercutem em nós, assim como nossas contradições e feridas. Posso vencer as armadilhas interiores e iniciar um texto.  Outras vezes, digitar algumas frases e fechar a tela para recomeçar mais tarde. Em algumas ocasiões, fazer anotações, durante uma viagem, enquanto leio, após uma boa conversa, um olhar, um sentimento que tento dar uma dinâmica no texto. Sempre partimos de nossas experiências, embora não sejam a tradução de um momento com ponto final. A vida é movimento, transformação e criação. Cada pessoa tem sua própria forma”, cita Jalmelice.

Jalmelice Luz afirma que gosta de fazer anotações sobre a leitura durante a viagem.

Segundo Bruno Marques, escrever é um sentimento que não se explica. Fazia sentido para ele escrever o que sentia, ainda que por metáforas. A escrita e a literatura são um grande universo simbólico e os personagens representam sentimentos, como amor, fidelidade, decepção, traição, angústia e reflexão, entre outros. “Se lermos ‘O velho e o mar’, conheceremos Santiago e Manolin, mas, a literatura nos mostrará também sobre o que é amizade, esperança ou a falta dela. Eu precisava entrar nesse universo. É como se houvesse uma realidade escondida que somente a escrita me levaria até ela.  Leia muito, leia todo tipo de texto. Não perca tempo com um livro que não te cativou depois da página 50, mas, não pare de ler. Troque o livro e continue lendo. Esse é o primeiro passo para escrever. O segundo é realmente escrever. Não espere criar o texto perfeito, até mesmo porque, a perfeição não existe. Escreva, melhore, reescreva. Compartilhe seus textos com as pessoas e não se preocupe com as críticas. O importante é estar sempre em movimento e em evolução”, recomenda.

O autor de “Filho de pandemia” cita como dica que se deve escrever sempre, escrever pra tudo, pra quem quer começar a escrever tornar a escrita parte de sua vida, mesmo que seja como diário. “Não precisa ser um diário como o meu, um momento tão difícil para a humanidade com a pandemia, mas um diário ou uma carta pra alguém, ou colocar no papel sentimentos, situações desconfortáveis do cotidiano. Você escreve como uma forma, até mesmo, terapêutica de desabafo, mas escrever sempre é o grande segredo para escrever bem”, analisa o jornalista e escritor Diego Amorim. 

Confira o livro de Diego Amorim “Filho de Pandemia”

                Segundo Américo Antunes, escrever é o desejo de transmitir o que vai pela mente e coração, a partir da observação crítica da vida e dos tempos, passado e presente. Ele começou a escrever a partir da inquietude existencial e do desejo de transmitir e dialogar. Como um ritual de passagem do real para a imaginação, seja em uma obra de ficção ou não ficção. 

Observar, atentamente e, estudar/pesquisar a fundo o tema – ou temas – sobre os qual se pretende escrever é uma recomendação de Antunes.  Para ele, método e disciplina no ato da escrita são cruciais e, é claro, não esmorecer jamais diante dos obstáculos de um mercado tão fechado.

Lançamento do livro “Do diamante ao aço”.

Para quem tem afinidade, na opinião de Bruno Marques, certamente, será mais fácil escrever. No entanto, o segredo não está somente na escrita, e, sim, no conteúdo, na mensagem para os leitores. Ele cita que um escritor, antes de tudo, é um bom observador, que capta momentos do cotidiano e os filtra diante dos seus sentimentos e percepções.

QUALQUER ESCRITOR É UM BOM LEITOR 

Quem quer ser um bom escritor, com certeza tem de ser um bom leitor. A afirmação é uma constante entre os jornalistas escritores, como Diego Amorim. “Todo escritor tem de ser um bom leitor. Com certeza. A gente só consegue escrever bem e desenvolver, se expressar, quando lê bastante”, cita.  A escritora Hila Rodrigues acredita que foi a leitura que a estimulou a começar a escrever. 

Hila Rodrigues afirma que todo escritor é um bom leitor.

                Segundo Antunes, sem dúvida, este é o ponto de partida. “Desconheço um autor, que não seja um ávido leitor”, destaca. Assim como Ana Paula Pedrosa, Bruno Marques acredita que é difícil alguém gostar de escrever e não gostar de ler.  Que não gosta de ler, jamais será um escritor.

Marques destaca que um escritor é formado pelos textos que lê. “Eu tenho predileção pelos textos filosóficos e de psicanálise. Antes de escrever meu primeiro livro, estudei muito sobre existencialismo. O livro ‘As noites mais escuras do inverno’ está carregado de metáforas influenciadas por Freud, Nietzsche, Foucault e Dostoiévski. É natural que as nossas preferências nos influenciem, afinal, como disse Foucault, a adição é a única forma de interpretação”, explica. 

A jornalista Jalmelice Luz cita o próprio exemplo como estímulo para quem quer começar a  criar o hábito de ler. “Iniciei a leitura em casa com revistas, almanaques e livros que eram emprestados. Também sempre gostei de frequentar bibliotecas na escola. Li e leio os clássicos da literatura brasileira, com Cecília Meireles, Machado de Assis, Jorge Amado, o grande memorialista Pedro Nava e os clássicos internacionais, como Kafka, Dostoiévski, Marcel Proust, Jorge Semprum e Simone de Beauvoir, entre outros. Procuro me atualizar com a leitura de autores e autoras contemporâneos, inclusive os colegas mais próximos. Minas Gerais faz jus à fama de celeiro de grandes escritores, poetas, artistas, compositores”, conta.

Jalmelice Luz afirma gostar de clássicos da literatura brasileira.

PÚBLICO LEITOR E VENDA DE LIVROS

Os jornalistas mineiros observam que o Brasil ainda está longe de ser um país leitor com um público ainda pequeno de pessoas com o hábito de ler e-ou comprar livros. Os escritores entrevistados para essa reportagem afirmam que o problema está na falta de políticas públicas e de incentivo, inclusive, por parte da iniciativa privada. O mestre em literatura e direitos humanos, jornalista e advogado, Bruno Marques, avalia que o mercado brasileiro tem grande potencial, mas está adormecido por falta de apoio e políticas públicas. 

Ele observa que os altos impostos acabam tirando a margem de lucro dos escritores, que merecem boa parte do crédito e, também das editoras e livrarias. Ele sugere que quem quer fomentar o setor, deve dar preferência para comprar livros nas livrarias de bairro. “A venda de livros digitais é muito nociva para os autores. Certamente, é um mercado sem volta, mas precisa ser revisto, pois não estimula os escritores a viverem de histórias”, alerta. 

Segundo Marques, de uma forma geral, o brasileiro lê pouco, porque é pouco estimulado ou precisa trabalhar muito para ter um mínimo de renda para sua sobrevivência. “A nossa arte pode ser mais profunda. Fazer mais sentido na vida das pessoas. É algo cíclico. Sem incentivo, a maioria dos artistas – isso tem relação com todo tipo de arte e não somente com a literatura – não consegue se dedicar a criação de algo substancial. Se a arte não fomenta uma reflexão, não questiona o status quo, estaremos condenados a não evoluir como sociedade”, afirma.

Bruno Marques alerta que os brasileiros leem pouco, por falta de estimulo.

Os eventos como a bienal e os festivais de literatura, conforme a produtora de tevê, Ana Paula Pedrosa, são iniciativas que permitem reverter a situação em que o ambiente virtual e as facilidades tecnológicas, ao mesmo tempo, conectam todos, mas, também, acaba por afastá-los de um contato próximo. “Se é especial para um leitor encontrar o autor e conhecer mais detalhes sobre a história, suas influências, seu processo criativo, é ainda muito mais especial para o escritor encontrar uma pessoa curiosa pelo seu trabalho ou sua obra”, avalia.

Ana Paula ainda destaca que é essencial medidas para reduzir o preço dos livros e contribuir para formar leitores. As pessoas precisam conhecer e apreciar a literatura e isso requer investimento. As pesquisas apontam que o brasileiro lê pouco, porque tem um conjunto de aspectos desfavoráveis e reverter esse processo é um trabalho para muito tempo, contudo, precisa ser iniciado o quanto antes. “O ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que poderia aumentar os impostos de livros, porque são ‘produtos de elite’, como se fossem supérfluos. A partir da constatação que os livros seriam ‘produtos de elite’, o processo deveria ser o de buscar maneiras para o livro deixar de ser de elite e, sim, para todos”, avalia.

Ana Paula avalia que o livro deveria ser para todos.

Hoje, existe maior facilidade para publicar um livro que há uma década, porém, também é real o fato que o público leitor é ainda pequeno. A compra de livros fica mais difícil no atual período de carência. Muitos projetos sociais surgem em vários lugares e o estado deveria chegar para apresentar a leitura como algo enriquecedor e prazeroso. 

O ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Américo Antunes, ressalta que o mercado literário Brasileiro ainda é muito fechado e para poucos privilegiados. O segmento é restrito e segue dominado por grandes editoras. “Infelizmente, ainda somos reféns de um país com literatura para poucos e elitizada, como a educação”, lamenta. 

Segundo a jornalista Hila Rodrigues, o mercado atravessa grandes desafios econômicos, mas também culturais. “É preciso políticas para manter um preço atraente, capaz de fomentar o mercado editorial e estimular o negócio do livro. É um lugar importante para tudo: desde a criação de empregos até o incentivo à cultura e produção de conhecimento. O leitor tem uma percepção fragmentada de um mundo cada vez mais rápido – e assustador. Por outro lado, quando o leitor é abordado de maneira adequada, ainda é capaz de se encantar com histórias e imagens. De se deixar seduzir por uma boa história”, acrescenta.

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